Provação cruel versus sapiência
Houve um dia na empresa,
onde eu trabalhava, que o responsável da expedição de peças
automotivas(local onde se despacha as entregas) não veio trabalhar e
pelo jeito não viria tão cedo. Ele tinha pegado o dengue e estava
estirado na cama com uma disposição de uma preguiça de setenta
anos (nem sei se ela chega nesta idade).
Tinha tanta gente
experiente para assumir o trabalho. Mas sabe, quando alguém está de
marcação contigo e arranja um motivo para te desmoralizar perante
os outros? Foi o que aconteceu comigo. Alguns indivíduos do médio
escalão da empresa resolveram me botar no posto que não entendia
patavinas.
Eu sabia que havia algo
por debaixo dos panos para me por sem jeito. Eles sabiam também
muito bem, que eu não conhecia os itinerários dos nossos clientes.
O rapaz que ficou doente se submetia aos caprichos dos vendedores,
que gostavam de atrasar o serviço dos outros.
–Rocha, parece que o
Peu Autopeças vai pedir mais alguma coisa, segura mais um pouco o
motobói. – dizia eles, querendo vender mais e atrasando as demais
entregas.
Com isso, “chovia”
reclamações por atraso das mesmas. A intenção deles era que eu
fizesse o serviço o pior possível, para que eu pudesse virar
chacota perante todos os outros funcionários da empresa. A esposa do
patrão me chamou na sala dela e foi categórica:
–Você vai assumir o
lugar do Rocha na expedição!
–Tudo bem! Quando
começo! – disse-lhe eu, para mais um desafio profissional. Não
quis questionar sobre as outras opções para assumir o cargo.
–Sua obrigação é
lidar com os motobóis! – ela sabia, que o Rocha não tinha nenhum
tato com os rapazes das motos. Eles costumavam fazer corpo mole para
atrasar mais ainda as entregas. Pura birra!
–Sim, senhora! –
quando a respondi, pressenti um risinho sarcástico no canto dos
lábios dela. Era quase imperceptível, mas ela deu.
Eu sempre fui uma pessoa
bastante sociável e jamais tive preconceitos de conversar com A, B
ou C. Se eu não conseguisse conversar com alguém era porque deveria
estar ocupado com algo ou alguém. Eu era um dos pouquíssimos a
conversar com os motobóis diariamente.
Eu os cumprimentava na entrada
do expediente e algumas vezes conversávamos na hora do almoço.
Aprendi algumas “armações” que eles faziam na entrega, mas
nunca contei para ninguém. Uma delas era matar o tempo na rua, para
não pegar nenhuma encomenda no encerramento do expediente.
Eu os avisei, que estava
assumindo o lugar do Rocha e sabe o que eles me disseram:
–Que bom! Finalmente
colocaram alguém que entende a gente! Vai ficar efetivo no cargo?
–Só até ele ficar
bom!
–Vê se fica de vez com a gente!
–Não sou eu quem
escolhe, a ordem vem lá de cima, da diretoria.
Só de sacanagem, os
vendedores deixaram uma penca de pedidos para ser entregue, no meu
primeiro dia na nova função. A intenção era me “tombar” na primeira entrega da manhã. Olhei para o balcão e os vendedores riam de minha
perplexidade. Me acalmei, olhei para os pedidos e saí do balcão.
Todos pensaram, que eu havia desistido, mas fiz melhor, chamei os
motoqueiros que vieram comigo de boa vontade. Os vendedores não
entenderam o que eu pretendia fazer.
–Atenção rapaziada!
Aqui estão os pedidos com os respectivos endereços. Preciso que
entreguem o mais rápido possível.
Os motobóis olharam os
pedidos e foram pegando, dizendo o seguinte:
–Eu vou neste e depois
passo por este... Esse cara gosta de dar “caixinha (gorjeta) gorda”, depois
pego o viaduto e passo neste e tomo uma xícara de café.
Não demorou dez minutos
e todos os motoqueiros já estava na rua.
Sabe o que aconteceu no
meu primeiro dia na expedição? As entregas não atrasaram e os
telefones da empresa não paravam de elogiar o serviço.
–Finalmente colocou
alguém competente para as entregas! - disse um dos muitos clientes a
esposa do patrão.
Sabe o que aconteceu
comigo depois? Me tiraram da função por ser muito eficiente. A
provação que eles me deram “saiu pela culatra”. A chacota caiu
para aqueles, que queriam me prejudicar.
–Logo agora, que eu
estava começando a gostar! - disse eu a esposa do patrão, que fechou a cara
para mim. Eu a devolvi o mesmo sorrisinho sarcástico.
Depois fiquei sabendo,
que rolou até uma aposta para ver quanto tempo eu ia aguentar a
pressão. Pena, muitos perderam bastante dinheiro, pois se dependesse
dos motobóis, eu não sairia dali nunca.
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